terça-feira, 9 de agosto de 2016

Cantiga do Pássaro Viajeiro



Quando eu for embora
Por favor  não chores
Assim como não verás meu pranto
Se acaso tu fores a primeira a partir

Quando eu for embora
Não lamentes
Não abras a porta ao infortúnio da tristeza
Assim como não verás meu lamúrio
Ou minha face escurecida
Se acaso tu fores a primeira a partir

Quando eu for embora
Não maldigas o destino
Esse misterioso Senhor de longas cabeleiras
Assim como não guardarei dele  rancor
Se acaso tu fores a primeira a partir

Não deixes de sorrir a cada acordar (sequer um dia)
Não apagues dos teus cadernos os versos meus
Não retires dos varais nossos sonhos pendurados ao vento
Não ouses negar o inegável
Ou ainda evitar o inevitável
Pois a beleza da mais bela flor
Não a livra do estio da vida
Tudo caminha para o seu fim...

Quando eu for embora
Acena-me com braços largos
E mãos vibrantes e sorridentes
E sorrisos fartos e verdejantes

Quando eu for embora
Deseja-me uma boa jornada
E que os campos futuros sejam
Tapetes de rosas e orquídeas
E que os muros não sejam muros
Cercas de girassóis que sejam

Quando eu for embora,  minha Senhora
Que seja um dia de Sol de Primavera
E na hora do adeus que toquem a nossa música
Para celebrar o eterno amor que fica

Nas asas desse pássaro viajeiro que se vai

Lualves

terça-feira, 2 de agosto de 2016

As Nove Canoas

foi navegando pelas ruas de Belém
        que eu vi um rio
        de águas tingidas  de pudim de leite
                            
era um rio que corria
num sentido diferente:  

v
e
r
t
i
c
a
l

nesse rio                   que não faz mal
deslizavam nove canoas em direção ao céu        
                    
era uma calmaria doce... procissão silenciosa
coisa equilibrada que impressionou tanto os meus olhos poucos
                             que eu quase fico tonto de olhação

Foi navegando pelas ruas de Belém
        que eu vi esse rio doido
        incrivelmente inusitado  
     
se brincar
serve até como parede!
cabide pra pendurar barquinhos de emoção...


Lualves (Belém do Pará, Julho de 2016)






sábado, 30 de julho de 2016

Poema do Marajó

Há no rio um riso frouxo
Que suponho seja o meu
Fui olhar para esse rio
E o meu sorriso se perdeu

Há no rio um choro franco
Que talvez pertença a mim
Fui olhar para esse rio
E meu amor chegou ao fim

Nas baronesas flutuantes
Ou como queira, mururé
Vi deslizar em águas turvas
Uma paixão igarapé

Mas se rio tem um destino
E esse destino é o mar
Vou voltar pra minha terra
Bem depressa vou voltar

Quem sabe eu chego antes
Quem sabe eu chego já
Para o mar que me espera
Para o mar que irei amar

E desse rio levo a saudade
Levo sol e levo cor
Levo tanto sentimento
E por que não dizer, amor!

Levo histórias, levo contos
Personagens e louvor
Levo tanto de quase tudo
E por que não dizer, amor!

E assim a vida segue
Marajó, com seu calor,
Deixo meus passos nesse rio
E por que não dizer, amor...

Lualves


quinta-feira, 21 de julho de 2016

Ecos

                                                                           Ecos


Água
espuma
raios


Ah...!
não fosse o mar 
insuportável seria  a culpa.


Pílulas de Deus
essa coisa aí azul que  não me faz morrer
antítese, antídoto, anti qualquer coisa que  me traga alívio


“O que habita em mim e não conheço é que mais me faz sofrer” – disse a voz da voz de dentro!


O que fazer para vencer        o inimigo que não vemos (?)
essa força que se esconde nos currículos mentais
... ais
... ais
... quantos ais ocultados
no labirinto de nós,
entre canos,
                                              
  veias, vias, vielas
             sangue, vinho e velas ao vento
             que vai levando tantas vozes
             que vai voltando tantas vezes
             uvas, vulvas, ventre de minha mãe
             de onde eu vim e  para onde  vou  quando tenho frio


Quem pode ouviver o (curto) circuito cerebral
onde a lucidez se perdeu e a certeza se partiu?
Será química ou desprezo
Mistério ou abandono?


Sou tantas possibilidades nesse plural de especulações
que mal me reconheço....


Quanta loucura haverá  num  homem em frente ao espelho????





Aprisionado em confusões  vejo que,
  de certa forma, me sustento assim

Olho  o mundo
manicômio sem paredes
e tenho medo... medo... medo... e me divido
ora alegre ora triste ora fogo ora mel
sou Deus e diabo na terra do fel
sou cera e carvão na face do sol


Aqui vou eu!
e esse efeito bipolar que me acompanha
meus sorrisos  minhas lágrimas
tudo é rio, que venha o mar!


Ei.....!
Minha culpa é meu desejo
Meu cajado, meu bastão
Mas quem há de me culpar?

Ainda continuo a ver

as ondas  e suas espumas


ao longe escuto o eco dessa inevitável  inconsciência
sussurrar dentro de mim...





Lualves. Travessia Mar Grande/ Salvador. Março/2009

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Sobre o Tempo...


Meios

Meios

À Ana Isabel

Nasceu uma malva no meio do peito
Dessas do campo e da calçada
Meio mato, meio morro
Meio gente, meio pasto
Meio sorriso, meio praga
Meio saga e meio drama

Cresceu uma malva no meio da estrada
Dessas que sonham ser flor
Meio sonho, meio cor
Meio ruído e melodia
Meio dia e meio mente
Meio medo e meio lama

Malvada Malva meiga e muda
Dessas que choram em seus leitos
Meio busto e meio peitos
Meio jeito e meio louca
Meio calma e meio casta
Meio aula e meio Ana

Aconteceu Malva
Alegre e plena
De punhal na mão
Sorriso insano
E um certo olhar
Perdido no cinza do horizonte

Meio tu e meio eu...


Lualves 26.05.1997